sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Decalques


Cultivo
Mudas de maio
Verdes de estufa
Ciclo de cios
Decalques de lírios
Nos dias de estio

domingo, 14 de junho de 2015

cine arte posto 4

na margem da areia,
filme de ivan cardoso.
tela coagulada,
sangue simulado,
sexo exposto.
na transamazônica,
sustos dos risos.
o salto do lobo.
ácaros embalsamados,
dos letreiros ao
the end.




sábado, 23 de maio de 2015

escadaria

esquivo, contorno a calçada
aos pés do monte serrat
quatrocentos e quinze degraus,
sol doído, pedra, alvenaria,
insolação nas retinas de areia.
relicário quebrado, lembranças,
números calados no calendário.
miami maiden

monumento que rasga o mar
solidez dos contêineres expostos ao sol.
dialetos de desembarque contornam o porto.
cabines panoramizam o lodo da margem
as pastilhas do posto próximo.
a âncora do saldanha da gama.
a boceta adocicada das mulheres noturnas.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

verão de adeuses

claustro, verão de adeuses,
ruídos, máscaras, relógio
quebrado na avenida.
ficha caída na cabine telefônica
marchinhas engasgam
na vitrola do clube sírio-libanês.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

centro velho

a casa, esqueleto quebrado
parede pichada, linha do bonde.
café aguado, fórmica azul.
na vinte e dois de janeiro
mulher joga a calcinha
no bidê do banheiro abafado.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

repetir as ruas 
como se os passos
riscassem o vidro dos dias 
e o mormaço sem mar
queimasse as retinas,
ferrugem da loja
que virou ruína.
a cidade é um cisco
na memória
tudo que traz
é esqueleto já ido.
sobrado, labirinto,
beco sem saída.
resta o pensamento,
a construção no ar,
bola de capotão,
o beijo na festinha de garagem
amigos na fonseca da costa
pastel de feira cura saudade ?
aí inventar um filme,
correr na escada-rolante
do metrô, contar um, dois,
três, respira só.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Desmemórias 

que a chuva lave aquilo que vela fotos reveladas nos silos de chumbo depois da quarta camada de areia desaparece o traço do navio resta a lembrança da imagem que insiste em refazer as margens dos dias expulsos do calendário

sexta-feira, 27 de março de 2015

Desmemórias 

O globo colorido reflete as luzes dos piratas de plástico bônus reinicie a partida no átimo a ficha engole segundos outra paisagem apache tece recordes da vida ao limite tilt 
Desmemórias 


os vidros de areia hibernam nas prateleiras  museu de pesca de santos  praias próximas e distantes  brancas ou opacas  protegidas do tempo que faz lá fora já foram castelos e esconderam concha arranharam os olhos nas brincadeiras de infância  refletiram navios nas noites brancas  guardaram os passos apagados da memória . 


Desmemórias 

não foi possível apesar do sorriso e do caminho que passa sonolento pelo parque de diversões até  a radial leste .


quarta-feira, 25 de março de 2015


Ouvindo Moon River

o céu destila
lua de crepom
veio prata
meia lágrima
fingida
de cristal japonês


in " Decalques " ( 2008 )

no filme de Wim Wenders os peixes moram no deserto
as bandeiras estão sempre escondidas no porão
as cores desbotam em velhas máquinas de lavar
a vida é um fio trapezista na fronteira do Texas
as mulheres usam jeans com remendos amarelos
os anjos de gesso não são esculpidos por Aleijadinho
os aquários estão cheios de areia
os camaleões vestem sempre a mesma pele


in " Decalques " ( 2008 )


Máquina do Mito

Perséfone semeia panorama de romãs
do cultivo o hálito cor de amora
expelindo, madurando
outro início de estação

in " Decalques " ( 2008 )


resta
dedicar-me aos aquários
deslindar a transparência perdida
vitrais desbotados da impossibilidade
musgo dos dias que passam

in " Decalques " ( 2008 )
Margens de Vênus

equação dos sentidos
conflui rios de si, silêncio 
tai-chi na praça 
do seu corpo

in " Decalques " ( 2008 )
Atualidades

no meu tempo, espaços urbanos
miríades, reflexos na rua deserta
hoje no jornal, pessoas sem nome
sem fala, sem eco, efêmeras
no cartaz, a próxima atração
afrodites de papel
na companhia da noite

in " Decalques " ( 2008 )


a cidade deserta
lírica, imprecisa
um menino atrás do seu sonho
seu outubro
fugindo da maquinaria incessante
de seus dias iguais

in " Decalques " ( 2008 )


Acapulco ou Paquetá
lugar para tecer noivado
invento de um tempo gravado
no álbum do Grande Hotel
entre traças
a caixinha de música
murmura

... Recuerdos de Ypacaraí 


in " Decalques " ( 2008 )
Santos 


Entre alamedas de tempos, litorais no geometrismo das calçadas. Sargaços nos labirintos de Ariadne. O modernismo do prédio Verde Mar, arquitetura dissidente. Porto, presença impregnada nas pedras vitricidade translúcida dos corais. Carnavais, marés de recordações reinventadas ao som de marchinhas 
antigas. Edifício Planeta, pastilhas nas paredes, corredores intermináveis na desmelancolia juvenil. 


in " Decalques " ( 2008 )
Limite

na parede do cais
óleo ferruginoso
dos navios ancorados

em meio às aléias da fala
babel de veredas distantes
limite de cordas e margens


in " Decalques " ( 2008 )



Itinerário

para que voes
céus da ausência

linha de
pores-do-sol

mareazulada
marinalívida

inocência


in " Decalques " ( 2008 )


o
Sol
solúvel
matiza
Manhã

menina- dos- olhos
coleciona verões
nos tanques de areia


in " Decalques " ( 2008 )


reflexos mínimos
rascunhos, barcos
ilhas nas entrelinhas

milhares de sóis
rompem o claustro
de mirestrelas

in " Decalques " ( 2008 )


o sol tinge horizonte
na areia barracas invadem espaços
enquanto banhistas jogam futebol
ao longe uma fila de navios dobra os arrecifes
meninas vestidas de vento celebram a chegada da estação

in " Decalques " ( 2008 )



quarta-feira, 18 de março de 2015

Tropeço

a multidão me distancia
perco de vista o outro sorriso
que julgava meu mas era engano
como esfinge a soletrar um jogo
de erros o reverso do esperado
se forte pareço caio frágil
no tropeço do espelho

o mito 
o escorreito 
o frontispício 
o ábaco
o hálito
o equinócio 
a flâmula
aventa
no bico do posto
Quantas avaliações literárias apressadas, sem a mínima preocupação em analisar o texto, o arranjo entre as palavras, os sentidos presentes. Dizer que algo é primário sem explicar as razões nem apontar as redundâncias é no mínimo ingenuidade. Não é fundamental ser filiado a um grupo ( ou panelinha literária) mas ter a noção mínima de que o simples uso de termos como " sarjeta", " bebida " e " puta " não torna a obra mais potente do que aquela que usa " amor " , " amigo" , " alegria ". A maneira como a fatura poética é construída importa bem mais.
"Só é artista aquele que é capaz de transformar a solução num enigma." 
( Karl Kraus )

segunda-feira, 16 de março de 2015

será de que sorte
o pano do mágico
caiado de estrelas


uma coleção de farsas
espie, disfarce
truque ou invento


atirador de facas
plásticas finca a
esfinge no castelo
de cartas


in " Decalques " ( 2008 )




sexta-feira, 13 de março de 2015



o amor é uma lembrança de guache
calendário de águas apressadas
um papel de vertigem vária
dias que correm paralelos
escrevendo seu ciclo de ausências

in " Decalques " ( 2008 ) 






Footgirl

no enredo dos gestos
calções e seios livres
gritos e cílios postiços
arranhando a cara do gol

in " Decalques " ( 2008 ) 




Mímico

letrado no gesto
milimetrado
esquece
polifonia da véspera
multidão de ruídos
sem sentido
ou salvação

in " Decalques " ( 2008 ) 



Contador de Palavras

http://linguistica.insite.com.br/corpus.php

terça-feira, 10 de março de 2015

Atos

I

palhaços sem
cartas na manga
mascaram misérias
no sono dos risos

II

fim de cena
vespas de várzea
recolhem-se
atrás do espelho

in " Decalques " ( 2008 ) 

sábado, 7 de março de 2015

Desmemórias


cada ano um mapa inventa letra lembrança lugares conferir os números das cartelas acumuladas 
Desmemórias

noite o chuveiro silencia estranha escultura no canteiro xadrez de concreto no limite da areia  antídoto do sol dorme de costas para o mar 

sexta-feira, 6 de março de 2015

Estrada Velha

carrinho de
rolimã tira
lasca da ladeira
uma dança em
ziguezague quase
queda à beira do
meio-fio cáries do
ar constelações de
estilhaços caminho
da boca do mar 

in " Decalques " ( 2008 ) 


quarta-feira, 4 de março de 2015

Dona Cândida

existe um jardim perto dos domínios de concreto
inventário de mapas de infância
poucas plantas, um muro e a mesa
decorada com toalhas brancas
tramadas ao cair da tarde

in " Decalques " ( 2008 ) 


Ifá

não apague a passagem do tempo
flor de ventanias colhidas no dia
lago de narciso, beira de abismo
nas contas do colar; ifá

in " Decalques " ( 2008 ) 
Monte Serrat

a letra de Itororó inicia a escada
traça sua geografia cortando
a vila que lembra Noel insolação
na manhã atlântica avista a capela
e o cassino desativado entre vitrais
do salão panorama de mapas
e mirantes diluídos em 360 O 

in " Decalques " ( 2008 ) 


terça-feira, 3 de março de 2015

                                         
                                           Retiro
repetir as ruas 
como se os passos
riscassem o vidro dos dias 
e o mormaço sem mar
queimasse as retinas,
ferrugem da loja 
que virou ruína.
a cidade é um cisco
na memória 
tudo que traz 
é esqueleto já ido. 
sobrado, labirinto, 
beco sem saída. 
resta o pensamento, 
a construção no ar,
bola de capotão, 
o beijo dado na vilinha.
a fonseca da costa 
não volta, pastel de feira
cura angústia ? 
aí inventar um filme,
correr na escada-rolante 
do metrô, contar um, dois, 
três, respira só.
Boqueirão

no canal
de águas
guardadas
foto do fa
rol grama
de silêncio
rebento

in " Decalques " ( 2008 ) 

segunda-feira, 2 de março de 2015

Edifício Parque Verde Mar
  
desenho matizado em cores fortes
ligação entre espaços amplos, do portal aos jardins de paisagens
no teto carrosséis, figuras geométricas
giracéu salpicado de horizontes

in " Decalques " ( 2008 ) 
Itinerário

para que voes
céus da ausência

linha de
pores-do-sol

mareazulada
marinalívida

inocência 


in " Decalques " ( 2008 ) 

domingo, 1 de março de 2015



           

                           

não me tenho em alta conta 
palavra é a cadela que mais berra 
perdi o sono, fechei questão, 
sambei na linha sublinhada, 
volteia , escaramuça, pica a mula
faz ruído, tenta o eco, esvazia,
tinta presa, depois o nada


( rabuja rubirosa )
   valdevino boticão é um vivaldino que cobra os dentes da cara ( rabuja rubirosa ) 
os peixes ladram e a caravela passa ( rabuja rubirosa ) 

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Realejo

algo tátil
mambembe
letra gitana
cartografia
de desejos
num lance
de sorte

in " Decalques " ( 2008 ) 
Desmemórias 

uma outra vida amigo os velhos discos da loja são  miniaturas engarrafadas limiares de um tempo  que corre paralelo memória de mochilas e perfume pathchouly não há notícias  só a casa azul gosto de infância inventada perto do atrito do trem estação final mogi 

Desmemórias 
recolhia as roupas como se habitasse um museu de mímicos e a memória fosse  um ato mecânico seqüência de slides apagando- se distraidamente
Desmemórias 
jardim improvável  mínimo istmo beirando o concreto retrato dos silos onde deitei a memória 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

2012 
Um quebra-cabeça, os números das casas formam uma sequência vazia até beirar a estação que corre nas veias. Naquela placa, embaralho seu nome até o esquecimento. É preciso reter a água, o fluxo insensato que teima em fluir, até que tudo vire um borrão disforme, um som agudo. Essa rua não é minha. Tampouco aquele espelho quebrado numa tarde de sexta.
EPITÁFIO N.º 1
Sangras em cantos
Te arrancaram a gravata " papillon "
A flor do peito 
Como a um crupiê vendido
E diante do mundo
Leram a tua desonra
Porque não descerraste as maxilas do coração
( Oswald de Andrade )
da sibila, acaso
jogo de conchas
de mareamar

areia úmida
de instantes :

tecido geométrico
da calçada em frente
ao aquário municipal

in " Decalques " ( 2008 ) 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

nada é mais legal 
que o papel de pão 
tem o cheiro da infância 
das manhãs na vila maria 
quando o manuel penteava 
o bigode com a escovinha 
de madeira e osso e o 
joão peralta pedia fiado 
e pesava uma porção de tremoço

( rabuja rubirosa ) 




no radinho batia o coração de baquelite
( rabuja rubirosa ) 

As coisas da vida


Não te preocupes comigo porque eu sabia que as coisas não podiam durar para sempre. Não foste feita para viver em duas assoalhadas com um escritor que não escreve, para tomar banho de água gelada porque a companhia do gás não fia, para aturar as má-criações do senhorio porque me atrasei na renda. Não te preocupes comigo: compreendo que te vás embora, não armo escândalos, não te peço que fiques. Claro que me custa um bocadinho, ao princípio vou sentir a tua falta, nos primeiros tempos, em chegando as sete horas, ao ouvir os passos no patamar hei-de correr até à porta.
                  É a Tereza
                E afinal não é a Tereza, é o vizinho do lado esquerdo com um saco do supermercado em cada mão, o vizinho a escapar ao meu abraço julgando que eu enlouqueci e eu recuar aflitíssimo
                 Desculpe senhor Vasconcelos tomei-o por outra pessoa
               o vizinho a aconselhar-me com maus modos que deixe de beber e aferrolhar-se em casa com medo que eu apareça para o beijar tratando-o por amor. Mas não te preocupes comigo: daqui a seis meses estou fino, daqui a seis meses já comecei o romance e consegui um empréstimo do editor, daqui a seis meses garanto-te, tenho a certeza que me esqueço de ti. No início estas coisas parecem sempre horríveis e depois à medida que a gente se habitua vamos tendo menos vontade de chorar, vamos recomeçando a interessar-nos por atentados à bomba e divórcios de princesas que são dois tipos de catástrofes que mais nos apaixonam no jornal, deixamos de aborrecer os amigos com telefonemas a desoras e um belo dia
            (é a vida)
            damos por nós a assobiar ao espelho durante a barba da manhã, se alguém nos pergunta ao café
             O que é feito de Tereza?
             temos de fazer um esforço para nos lembramos de qual Tereza
             Qual Tereza?
             e outros espantados
              A tua mulher que Tereza querias que fosse?
             e nós num tonzinho desprendido, nós sinceros
              Ah a Tereza sei lá não a vejo há séculos
             e verificamos sem surpresa que dizer o teu nome já não dói, que não nos recordamos bem da tua cara, que deixaste definitivamente de existir. Portanto não te preocupes comigo: isto passa. Passa a vontade de morrer, passa o desejo de escrever Tereza no pó dos móveis
            ( porque não vou ter ninguém para os limpar)
            e nos vidros embaciados da janela, passa a estupidez de passar os dias estendido no sofá, a olhar o tecto e lembrar-me daquele  passeio à Foz do Arelho, daquele vestido azul que não tornarei a ver, daquele encavalitamento dos incisivos de que eu gostava tanto, do domingo em que queimaste o jantar, das tuas fúrias por eu apertar a pasta de dentes pelo meio e deixar a torneira do lavatório a pingar toda a noite
           Pensas que és rico?
           ou de quando lia o jornal por cima de teu ombro e tu incomodadíssima
           – Não consigo ler o jornal com uma pessoa a espreitar por cima do ombro desculpa
           a atirares com as páginas e a fechares-te no quarto num derradeiro berro
          – Que chatice
  tu que afastavas a perna se eu aproximava a minha, ficavas hirta se eu tentava beijar-te, cessaste de me dar a mão no cinema, se eu te perguntava
      Amas-me?
    ficavas calada ou resmungavas num esforço de alpinista no Himalaia, como se as palavras pesassem toneladas e o oxigênio faltasse
   Se eu não te amasse achas que estava aqui?
   Tinhas relações sem uma palavra, de dedos mortos nas minhas costas como se desejasses
   (imagina o que eu fui pensar, que parvoíce)
   que terminasse depressa, como se desejasses ver-te livre de mim, que se eu me interessava
    Foi bom?
  me respondias
  – Estou cansada dói-me a cabeça não sei
  e te lavavas muito depressa como se eu te tivesse infectado, a chapinhares meia hora no bidê. Eu sabia que isto não podia durar sempre.
Não foste feita para viver em duas assoalhadas com um escritor que não escreve, para tomar banho de água gelada porque a companhia do gás não fia, para aturar as  má-criações do senhorio porque me atrasei na renda. Não te preocupes comigo: compreendo que te vás embora, não armo escândalos, não te peço que fiques, juro que não me zango se esse amigo que estás a falar e que não sei quem é vier ajudar-te a levar as roupas, a levar os teus livros. Não me zango: assim que vocês começarem a descer as escadas ligo à Mariana ou à Paula ou à Raquel, convido-as para sair comigo, recomeço a existência do princípio. Não julguem que vou desfazer-me em lágrimas ou que me suicido. Não vou. Asseguro-te que não vou. Em todo caso, pelo sim, pelo não, deixa ficar os lenços de papel e a embalagem de valium. A gente sempre precisa de alguma coisa que nos faça companhia não é, e detesto limpar o nariz à manga do casaco da mesma forma que a ideia de me atirar pela janela me repugna: ainda podia cair em cima de vocês, lá em baixo no passeio à  espera do taxi, ainda podia cair em cima do teu amigo e partir-lhe um osso ou assim e tu havias de imaginar que eu me sinto agressivo
   que não sinto
   com esse filho da mãe, desculpa, com esse rapaz que deve ser, que tem de ser, que aposto que é uma jóia de pessoa.


(António Lobo Antunes )
LIMÃO E MATE


Dois irmãos, limão e mate:
" - mão " e " - má " , meias palavras 
para bons entendedores
cheios de sede na praia, 
vítimas do dualismo 
universal: o ar e o sal, 
os dois galões ombro a ombro, 
os dois cumes da montanha, 
as duas bandas da bunda, 
os dois sabores do globo, 
o óleo passando no bronze, 
a onda batendo no umbigo, 
os pés debaixo da areia 
e o cabelo relembrado
pelo vento de que o tempo
continua, e morde os corpos.

( Sérgio Alcides )

poeta, bicho de arestas, 
ouriço-caixeiro, espremeu 
sai farpa , salta caco 
do espelho




Tua Nudez ( Juan Ramón Jiménez ) tradução de Manuel Bandeira 
A rosa :
Tua nudez feito graça .
A fonte :
Tua nudez feito água .
A estrela :
Tua nudez feito alma .
Desmemórias 

um frasco de sol  discos de vinil  na prateleira do eldorado papel de parede colado ao contrário dias guardados nas listras  do sofá-cama 

não fui ao parque
eletrônico futurama 
trem-fantasma de
papelão calendário
enferrujado dublagem
de abandonos moldura
de lona na arena
de areia rasgada

in " Decalques " ( 2008