sábado, 21 de dezembro de 2019

avenida doutor arnaldo
demolidora formosa
li naquele caminhão
devolvemos a sua
amada
em suaves prestações
uma banca de flores:
sete dúzias de amores-perfeitos
dezessete vasinhos de cactos
quarenta rosas colombianas
no radinho estão voltando as
flores nessa manhã tão linda
a dona conta o dinheiro miúdo
cheiro de chuva e sol deve ser
casamento de espanhol
cinco horas
outro congestionamento
os carros
quase todos prateados, olha um branco
e se fôssemos peixes num aquário interditado?

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

centro velho

a casa, esqueleto quebrado
parede pichada, linha do bonde.
café aguado, fórmica azul.
na vinte e dois de janeiro
ela joga a calcinha
no bidê do banheiro abafado.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

checklist

o farol da praia de varda
castelinho de areia desfeito
o aro dos óculos de acetato
o sol nos olhos castanhos

mil tons do vestido preto
um acorde de summertime
as marcas das revistas de moda
astaire no palco de papelão

piquenique e jogo da amarelinha
um saquinho de pipoca doce
suspiros na ponte cenográfica
uma chuva de inverno temporão

o lanterninha do cine marrocos
os desenhos ondulados da calçada
o triciclo com cestinho de flores
o verso bordado na pele

chiclete on the rocks
um álbum amar é
um retrato ao acaso
o balcão da suissa

só esqueceu o lembrete
desviar-se da quina dos
móveis pé de palito que
inibem seus caminhos
desmanche
a pose forjada
com sotaque
de fronteira
calça bufante
azzaro no lenço
ajeita o microfone
aumentem o som
por favor, o som
o pigarro sem filtro
ignora a segunda fileira:
poeta, ouriço-caixeiro,
espremeu , sai farpa
saltam cacos do espelho
madrugada

luzes míopes refletidas
na lataria dos carros
incêndio nos olhos trágicos

à beira da ponte
sirenes anunciam chacinas
e queimam asfalto até o IML
geografia

a rua em que não vivi
fica no Cambuci
perto da venda
do seu Carrasco
onde o cliente
nunca tem razão

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

domingo prédio do estadão: o boneco do posto dança entre os fios de alta tensão dia de musgo: cotidiano, circular, portal do acaso nado sincronizado marinheiro de aquário na marginal tietê
cidade pausa movimentos natalinos repetidas luzes fora do bom tom slow motion das faces apressadas risonhas como bonecos fora da validade

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

desmanche

a pose forjada
com sotaque
de fronteira

calça bufante
lenço com azzaro
ajeita o microfone
aumentem o som
por favor, o som

o pigarro sem filtro
ignora a segunda fileira :
poeta, ouriço-caixeiro
espremeu, sai farpa
saltam cacos do espelho

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

1
eu sei que a esquina
é uma dobra no pensamento
e as rugas escamas de peixe
nubladas pela água suja
do aquário
2
o convite pro cinema um
devaneio de quem trança as pernas
invertendo os números
das placas dos carros
3
o tempo, alfabeto
de impossibilidades
num fluxo de rio coberto
pelo asfalto
3
chovem chaminés das
fábricas notícias de amores
de pedra-pomes
esfarelados nas banheiras
dos motéis da ricardo jafet

sábado, 25 de maio de 2019

ladainha

um disco riscado
do aznavour que volta
sempre ao mesmo
trecho
celly campelo cantando
na caixinha de música
a última sessão de
cinema antes de virar
igreja evangélica
a dança desajeitada que
derruba a dose
de cinzano no paribar
as cores do semáforo
refletidos na insônia
de anteontem
seu casaco entreaberto
em cada patamar das
escadas do predinho

sexta-feira, 24 de maio de 2019


repetir as ruas
como se os passos
riscassem o vidro dos dias
e o mormaço sem mar
queimasse as retinas
ferrugem da loja
que virou ruína

a cidade é um cisco
na memória
tudo que traz
é esqueleto
sobrado labirinto
beco sem saída

restam as lembranças
bola de capotão
o beijo na festinha de garagem
amigos na fonseca da costa

pastel de feira cura saudade


varal

minha avó
recolhia as roupas
como se fizesse mímica

a memória
sequência de slides
apagando-se
distraidamente





1
Eu sei que a esquina
É uma dobro no pensamento
E as rugas, escamas de peixe
Nubladas pelas água suja
Do aquário

2
O convite pro cinema , um
Devaneio de quem trança as pernas
Invertendo os números
Das placas dos carros

O tempo, alfabeto 
de impossibilidades
num fluxo de rio coberto
pelo asfalto

3
Chovem chaminés das
Fábricas notícias de amores
De pedra-pomes
Esfareladas nas banheiras
Dos motéis da ricardo jafet


paisagem paralela

o córrego ipiranga
flui seu código
silencioso

caminho rente
sol ardido, banzo
da tarde de terça

trailer abandonado
loja de autopeças
dom quixote de faróis
tanque escapamento

distraído, esqueço
o trânsito da avenida

vertigem : recordo
o jardim da saúde,
um quintal e pitangueira
do rubens na rua frei
rolim

terça-feira, 30 de abril de 2019

MATINÊ
Às vezes saio do cinema
E me ponho a andar
Cartografias pessoas
Apenas olhar
Ter a leve impressão
De que a cidade está grávida
De um outro lugar
( Marcelo Montenegro )
felizes para sempre

ela, vesguinha da vila ema 
ele, nanico do tucuruvi 
se conheceram no tatuapé 
antes da chuva soltar os cabelos
Ciuminho básico

escuta
calado
a proposta rude
deste meu
ciúme:
vou cercar tua boca
com arame farpado
pôr cerca elétrica
ao redor dos braços
na envergadura
pra bloquear o abraço
vou serrar teus sorrisos
deixar apenas os sisos
esculhambar com teus olhos
furá-los com farpas
queimar os cabelos
no pau acendo uma tocha
que se apague apenas
ao sinal da minha xota
finco no cu uma placa
"não há vagas, vagabundas"
na bunda ponho uma cerca
proíbo os arrepios
exceto os de medo
e marco no lombo, a brasa,
a impressão única do meu dedo.

( Ana Elisa Ribeiro )
Encantamento
Você agora
é arco-íris
sol 
de Três Barras
cristal
de São Gonçalo do Rio das Pedras
- Um caminhão transporta estrelas
do Pico do Itambé
- Um raio corta de fora a fora
os céus do Serro
( Adão Ventura )

sexta-feira, 29 de março de 2019

Na história do nosso amor
[Yehuda Amicai]

Na história de nosso amor, um foi sempre
Uma tribo nômade, outro uma nação em seu próprio solo.
Quando trocamos de lugar, tudo tinha acabado.
O tempo passará por nós, como paisagens
Passam por trás de atores parados em suas marcas
Quando se roda um filme.
As palavras
Passarão por nossos lábios, até as lágrimas
Passarão por nossos olhos.
O tempo passará
Por cada um em seu lugar.
E na geografia do resto de nossas vidas,
Quem será uma ilha e quem uma península
Ficará claro pra cada um de nós no resto de nossas vidas
Em noites de amor com outros.

[ Trad. Millôr Fernandes  

quinta-feira, 28 de março de 2019

TRANSITÓRIO 

1

No imo 
da Avenida
Paulista
o sulfato
da solidão.

Uma quimera
nos pega
pelas mãos.

Corremos
loucos
em busca
de uma coroa
de louros.

Pódio
deteriorado
e sem
medalha
de ouro.

Ausência
de eternidade
nos olhos
curtos de cada
passante.

2

Ensaiando
a própria fuga
da cidade,

durando
em fugacidade.

Não é a lua
que sangra.
São os pés
dos retirantes.

( Tito Leite )
FÁRMACOS
A psiquiatria ganha lugar
na feira de liquidação.
Na alegria imediata
do simulacro:
adestrar psicopatas.

Antidepressivos
para curar as feridas
da alma
ou esquecer a amada
[que antes
do beijo toca fogo
nos lábios].

Na cabeça, uma ampulheta,
nas mãos, borboletas fugidias,
em todos os caminhos,
nenhum destino:
apertar o botão abismo.


( Tito Leite )
John Ashbery

Down by the station, early in the morning

It all wears out. I keep telling myself this, but
I can never believe me, though others do. Even things do.
And the things they do. Like the rasp of silk, or a certain
Glottal stop in your voice as you are telling me how you
Didn’t have time to brush your teeth but gargled with Listerine
Instead. Each is a base one might wish to touch once more

Before dying. There’s the moment years ago in the station in Venice,
The dark rainy afternoon in fourth grade, and the shoes then,
Made of a dull crinkled brown leather that no longer exists.
And nothing does, until you name it, remembering, and even then
It may not have existed, or existed only as a result
Of the perceptual dysfunction you’ve been carrying around for years.
The result is magic, then terror, then pity at the emptiness,
Then air gradually bathing and filling the emptiness as it leaks,
Emoting all over something that is probably mere reportage
But nevertheless likes being emoted on. And so each day
Culminates in merriment as well as a deep shock like an electric one,

As the wrecking ball bursts through the wall with the bookshelves
Scattering the works of famous authors as well as those
Of more obscure ones, and books with no author, letting in
Space, and an extraneous babble from the street
Confirming the new value the hollow core has again, the light
From the lighthouse that protects as it pushes us away.

Pela estação, de manhã cedo

Tudo desgasta. Vivo me dizendo isso, mas
Nunca acredito em mim, embora os outros o façam. Até as coisas o fazem.
E as coisas que fazem. Como a raspa da seda, ou certa
Oclusiva glotal em sua voz ao me dizer que você
Não teve tempo de escovar os dentes e fez gargarejo com Listerine
Em vez disso. Cada uma é uma base que se pode desejar tocar outra vez

Antes de morrer. Há o momento, anos atrás, na estação em Venice,
A tarde escura e chuvosa na quarta série, e os sapatos assim
Feitos de um couro marrom embotado rugoso que não existe mais
E nada existe, até que você o nomeie, lembrando, e, ainda assim,
Pode não ter existido, ou existido só como resultado
Da disfunção perceptual que você tem carregado por anos a fio.
O resultado é mágica, depois terror, depois dó do vazio,
O ar gradualmente banhando e preenchendo o vazio enquanto vaza,
Se comovendo sobre algo que é provavelmente mera reportagem
Mas de qualquer modo gosta que se comovam. E, assim, cada dia
Culmina em regozijo, bem como o profundo choque como se elétrico,

Conforme a bola de demolição estoura a parede com as estantes
Espalhando as obras de autores famosos, bem como aquelas
Dos mais obscuros, e livros sem autor, deixando entrar
Espaço, e um balbucio estranho da rua
Confirmando o valor novo que o centro oco tem outra vez, a luz
Do farol que protege enquanto nos distancia.

(tradução de Adriano Scandolara)

segunda-feira, 11 de março de 2019

Francis Ponge

CHUVA

A chuva, no pátio em que a olho cair, desce em andamentos muito diversos. No centro, é uma fina cortina (ou rede) descontínua, uma queda implacável mas relativamente lenta de gotas provavelmente bastante leves, uma precipitação sempiterna sem vigor, uma fração intensa do meteoro puro. A pouca distância das paredes da direita e da esquerda caem com mais ruído gotas mais pesadas, individuadas. Aqui parecem do tamanho de um grão de trigo, lá de uma ervilha, adiante quase de uma bola de gude. Sobre o rebordo, sobre o parapeito da janela a chuva corre horizontalmente ao passo que na face inferior dos mesmos obstáculos ela se suspende em balas convexas. Seguindo toda a superfície de um pequeno teto de zinco abarcado pelo olhar, ela corre em camada muito fina, ondeada por causa de correntes muito variadas devido a imperceptíveis ondulações e bossas da cobertura. Da calha contígua onde escoa com a contenção de um riacho fundo sem grande declive, cai de repente em um filete perfeitamente vertical, grosseiramente entrançado, até o solo, onde se rompe e espirra em agulhetas brilhantes.
Cada uma de suas formas tem um andamento particular; a cada uma corresponde um ruído particular. O todo vive com intensidade, como um mecanismo complicado, tão preciso quanto casual, como uma relojoaria cuja mola é o peso de uma dada massa de vapor em precipitação.
O repique no solo dos filetes verticais, o gluglu das calhas, as minúsculas batidas de gongo se multiplicam e ressoam ao mesmo tempo em um concerto sem monotonia, não sem delicadeza.
Quando a mola se distende, certas engrenagens por algum tempo continuam a funcionar, cada vez mais lentamente, depois toda a maquinaria pára. Então, se o sol reaparece, tudo logo se desfaz, o brilhante aparelho evapora: choveu.

(Trad: Júlio Castañon Guimarães)
Anedota japonesa

Peixes mecânicos nadam,
raros, no aquário em Osaka.

Seu terno de vidro quebrou
no armário de espanto.

Um corvo com bico de aço
volta a furar seu cérebro.

As vísceras de Mishima
pulam debaixo da cama.

Nenhum cão na imensa Tóquio
ganirá por sua solidão.

( Donizete Galvão )
de polir com areia
a água dorme no fundo
da casa. mas tudo dorme
no fundo da casa. se uma
esfera de papéis
avulsos, o grampo do fundo
da esfera desfeito.
o exílio encostado ao lado
da janela, uma ou
duas árvores, alguém conversa
o tempo inteiro e fala alto
sobre desertos sem
qualidade –
uma linha muda, o que
se refaz.
( Manoel Ricardo de Lima )

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019


TEMIXCO

Pouca gente lembra de Temixco
cidade onde caminhavam escritores,
novelas grandes e amarelas.

Depois do jogo de oitenta e dois, 
homens com barba desligaram rádios.

O veneno do escorpião
era o único antídoto para Telefunken.

A água da piscina mexeu sozinha.
Eles foram embora.

( FELIPE NEPOMUCENO )

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

SINISTROS RESÍDUOS DE UM SAMBA 

não chore meu amor não chore
que amanhã não será outro dia

( Cacaso )
"de qué modo sutil
me derramó en la camisa
todas las flores de abril"
( Nicolás Guillén )

Avenida Doutor Arnaldo

demolidora formosa
li naquele caminhão
devolvemos a sua
amada
em suaves prestações
do que foi feita a barraca de flores
a ideia num papel rabiscado
vinte ripas de madeira
lona azul, poucos metros
sete dúzias de amores-perfeitos
dezessete vasinhos de cactos
quarenta rosas colombianas
no radinho estão voltando as
flores nessa manhã tão linda
a dona conta o dinheiro miúdo
cheiro de chuva e sol deve ser
casamento de espanhol
cinco horas
outro congestionamento
os carros
quase todos prateados, olha um branco
e se fôssemos peixes num aquário interditado?
a sua ausência 
é a lâmpada queimada
de uma pousada 
em paraty
teatro de sombras 
na parede da sorveteria 
cafona

hoje não tem
o de pistache e o cheiro
de damas da noite
o gosto salgado da maresia
o carrinho de doces azul
e pulseira de sete voltas
os barcos de vidro riscado
e as roupas brancas
na estrada da lua minguante
um tropeço, engano
blefe de baralho fajuto.
um corpo estático
pendurado na
escadaria da 23 de maio

mudei de calçada:
a esquina é a
dobra da rua,
uma rasura,
traço ao acaso
asfalto que apressa os passos
de um calendário magro.