quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A antologia de rotina & tédio reúne furadores contumazes de filas de padarias , supermercados e farmácias . Quanto menos passos por dia, melhor, o negócio é tomar sol na varandinha, comprar maria-mole na quitanda do Carrapito, fazer a fotossíntese ao lado do maço de alface. Sem passeatas, comícios, ou marchas com palavras de ordem, apenas a leseira da tarde tediosa. Viva a vida alienada sem chorumelas e cantilenas estridentes. Esticar as velhas roupas coloridas no varal, comprar uma dúzia de dadinhos com uma penca de moedas de dez centavos, Só poemas curtos, sem pé nem cabeça, a sola do seu franciscano, seu cofrinho de porquinho , odes ao chicabon

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

qualquer ato é farsa 
que rasga a lona 
do circo antigo 
canastrão na corda bamba
sem tiques ou 
truques o salto
ou o nada vinca essa pele
de asfalto desertos
cotidianos

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

a multidão me distancia
perco de vista o sorriso
que julgava meu 
mas era engano
esfinge a soletrar
um jogo de erros
o oposto do esperado
se pareço forte
caio frágil no tropeço
do espelho
a multidão me distancia perco de vista o sorriso que julgava meu mas era engano esfinge a soletrar um jogo de erros o oposto do esperado se pareço forte caio frágil no tropeço do espelho

domingo, 22 de outubro de 2017

os dias são curvos
tristes, felizes
réquiem, risos
tarde de sol
no parque
o carro acelerando
na poça de água
e sujando a calça jeans
o café simpático na esquina
o tropeço que torce o tornozelo
a rua e as flores amarelas no chão

sábado, 21 de outubro de 2017

o transformador bivolt no casulo de madeira velha
chovem cidades de chaminés geométricas
pneus jogam xadrez na ponte dos remédios
a lona poluída do caminhão de produtos químicos

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

rua das camélias

sentado na cadeira azul de ferro
o meu pai matava os borrachudos
enquanto a tarde calorenta
derretia as faixas do asfalto
o tempo passava lento se
livrando das ervas daninhas

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

os dias de musgo
que passam repetidos
cotidianos, circulares,

fora do centro, beira
da vida  imaginada ,
porta do ocaso,

nado sincronizado,
marinheiro de aquário
na marginal tietê


quadro de avisos
um lápis sem ponta
rasura parada inglesa



sábado, 5 de agosto de 2017

qualquer ato é farsa
 que rasga a lona
 do parque antigo
 canastrão na corda bamba
 sem tiques ou truques,
o salto ou o nada 
vinca a pele de deserto
escamas cotidianas

terça-feira, 25 de julho de 2017

minha avó
recolhia as roupas
como se habitasse
um museu de mímicos
e a memória fosse
um ato mecânico
seqüência de slides
apagando- se
distraidamente
que a chuva lave 
aquilo que vela
fotos reveladas
nos silos de chumbo
depois da quarta camada de areia
desaparece o traço
do navio resta
a lembrança da imagem
que insiste em refazer
as margens
dos dias expulsos do calendário

domingo, 9 de julho de 2017

                                            Foto : Caio Guatelli/


o córrego ipiranga
flui seu código
silencioso
caminho rente
sol ardido, banzo
da tarde de terça
trailer abandonado
loja de autopeças
quixote  de radiador
faróis, tanque e
escapamento
distraído, esqueço
o trânsito da avenida
vertigem, recordo
o jardim da saúde,
um quintal e a pitangueira
do rubens na rua frei rolim

A rua em que não vivi
fica no Cambuci perto
da venda do seu Carrasco
onde o cliente nunca tem razão
é curta e sinuosa, se desdobra
na silhueta dos desenhos
da calçada até a esquina
que divisa o terreno baldio
habita um tempo paralelo
uma pipa  enrolada
no fio de alta tensão


Eduardo Fragata


a cidade oxida
no sal de prata
atmosfera, promessa,
logro e labirinto 
espelho quebrado,
é bom evitar começos,
multidão de aquário
sem oxigênio


sexta-feira, 2 de junho de 2017

Rabuja Rubirosa e a língua-outrora
Eduardo Sterzi
Se Veronica Stigger, num livro como Delírio de Damasco (e, antes, na exposição Pré-histórias, 2, que deu origem àquele), procede ao que ela mesma chamou de uma «arqueologia da linguagem do presente», numa pesquisa simultânea e dialética da graça e do horror mal enterrados em nossas conversas cotidianas (por exemplo: «Coitados dos índios! / Viviam em paz. / Chegaram os seres humanos e mataram todos»), Diniz Gonçalves Júnior, no projeto de escrita ainda em curso que leva a assinatura, mais do que o título, de Rabuja Rubirosa, propõe algo como uma invenção intempestiva da linguagem do passado, num exercício de filologia poética por meio do qual todo o horror do acontecido – a história como «catástrofe permanente» de que fala Benjamin – se converte, digamos, magicamente, em graça, restando delicadeza e charme, mesmo que seja o charme do fescenino que é também pueril, ali onde a história nos ensinou a esperar somente brutalidade e desencanto.
Magicamente, eu disse: e, de fato, Rabuja Rubirosa, o autor ficto desses quase-aforismos (que, no entanto, parecem recusar, numa mesma ascese, tanto a sabedoria quanto a ironia características da enunciação aforística, postulando algo como uma esfera retórica à parte), pertence à família poética de Zuca Sardan, mestre-de-cerimônias do, a um só tempo, mágico e clownesco Theatro Morfeo (o teatro do sonho no qual, como diz Sardan numa entrevista, «o Palhaço é o Derradeiro Sacerdote»). Talvez Rabuja Rubirosa se aproximasse de Dalton Trevisan, se a escrita deste pudesse se despojar do sarcasmo corrosivo que, no entanto, é sua medula. Já dizia Sérgio Alcides do primeiro livro de Diniz Gonçalves Júnior, Decalques (2008): «Este livro se nutre de uma aura imprevista, insistente, a contrapelo. É estranhamente antiquíssimo e anacrônico: tanto quanto um decalque». A mesma aura, o mesmo anacronismo, o mesmo decalque – que lá, como no livro posterior, Concha acústica (2012), presentificavam um outrora marcadamente autobiográfico (a infância e a adolescência recuperadas pelo adulto que se descobre em meio às «ruínas da modernidade», como também percebeu Sérgio Alcides) – aqui se dirigem a um ontem não-vivido e jamais identificado plenamente com qualquer época determinada, e por isso mesmo ainda vivível, um ontem radicalmente imaginário, radicalmente fictício: isto é, menos um «outrora agora», como formulou Fernando Pessoa, do que um agora-outrora, ainda em aberto, ainda por vir.
Não será esta, quiçá, a forma temporal, nem sempre posta a nu, de toda língua e de toda imaginação em estado de poesia? Não será também o pseudônimo – que reivindica o nome de um célebre playboy do passado, associando-o a uma rabugice inexistente no personagem-autor – um desvendamento do essencial anonimato subjacente a toda escrita poética? Se saudade é, aqui, a palavra-chave, os objetos ao mesmo tempo oníricos e ínfimos aos quais se volta – cine macuco, fubá mimoso, queijadinha da ponte do mar pequeno, cotonifício cantagalo, ceroula furada... – a distinguem de qualquer simples e lamentosa nostalgia.
Rabuja Rubirosa, que nasceu no Twitter (e é mérito de Diniz Gonçalvez Júnior ter depreendido desse meio uma forma literária perfeitamente adequada a ele), vive hoje, mais frequentemente, no Facebook, onde suas máximas sem moral, a não ser a da felicidade como suspensão da crueldade (a começar pela crueldade do tempo que passa), se fazem acompanhar de canções, fotografias, fragmentos de filmes – à espera talvez de uma próxima encarnação em livro, esta tecnologia já tão anacrônica e ainda tão vívida quanto ele.
Saudade do cine macuco (uma antologia)
Rabuja Rubirosa [Diniz Gonçalves Júnior]
a vizinha é um colosso, toda serelepe no saiote curto
a joana toldovelho imitava luz del fuego
não sou baixo, ela que é girafálica
joana ternura fugiu com o pinto calçudo
saudade da ceroula furada
saudade do fubá mimoso
saudade da queijadinha da ponte do mar pequeno
saudade da sapataria branca de neve e os sete anões
saudade do cotonifício cantagalo
saudade do apito da fábrica de tecidos
o bacalhau da vizinha é sempre mais cheiroso
escovando o casco da tartaruga
segurando vela no moinho velho
cantando guantanamera com as maracas furiosas
perdi meu cajado na rua do fado
perdi o bonde na rua do fado
depois do tatuapé vem o carrão
jiboiando
cavucando as cáries do ar
deitado no tombadilho
lá fora faz um sol argentino
o tibúrcio papangu está debruçado no balcão do boteco
a perereca da nádia natureza é uma obra aberta
saudade da geleia de mocotó inbasa
saudade da fenda fedegosa da fenícia
saudade da baba de moça
vou à festa junina tomar quentão e paquerar umas caipirinhas
vou ao ranário visitar as pererecas
perdi meu patacão
perdi o panamá em paquetá
o cuco da rua augusta anda caduco
observando os biquínis no minhocão
tirando o chulé na rua dos lavapés
pingando colírio no cine íris
lendo a bula na vila dos remédios
embaixo da escada-rolante do metrô ana rosa
paquerando a parteira do pari
chá preto com biscoitos de araruta
sou mais romântico que pedalinho em paquetá
saudade da rua do peixe
saudade da vulva da vó uva
saudade dos guizos falsos da alegria
saudade dos lábios que não beijei
saudade do bicho geográfico
saudade da sorveteria pinguim de casaca
saudade do cine macuco
saudade do parque eletrônico futurama
saudade das fontes murmurantes
fui um ás da dança de salão, agora dou três volteios e as juntas rangem mais que porta de bordel
regando o caule da açucena
cafofando a bufunfa
comprando tubérculos no largo da batata
contando carneirinhas
essas mocinhas na praia de vergonhas mui saradinhas, falta pano nos fundilhos, sobra fogo na ventoinha
fornicam o rei e o vassalo, o castilho e o panicalho
conhece o tadei? Aquele que te carcou atrás da lona do circo orlando orfei
conhece o licurgo? Aquele que te carcou em cordisburgo
conhece o creonte? Aquele que te carcou em novo horizonte
moderninha é a minha pipa que avoa sem carretilha
os cupins estão esfarelando meus móveis
meu panamá está lotado de ácaros
os peixes ladram e a caravela passa
essas batráquias solares maltrapilham meu coração
estrelas estalam nas calhas do constelário
estrelas copulam nas calhas do constelário
os rouxinóis congelaram no varal
os anos passam e o alabastro não arriba como nos tempos de antanho

segunda-feira, 8 de maio de 2017

ela , vesguinha da vila ema 
ele, nanico do tucuruvi 
se conheceram no tatuapé 
antes da chuva deitar os cabelos

sábado, 6 de maio de 2017

O Pina queimou a caixa -acustica do sony na festinha 
da andré mendes que terminou antes de rolar cabeças,
o japa na portaria usava gravata com estampa
de mulher pelada atrás da porta verde de volta pro futuro
maribel na janela, a baixinha da tuiucuê, simone acelera 
o monza e atropela a marca do gol, a revista da taija rae 
embaixo da cama, up & down, ipê japonês, a espingarda de 
chumbo destruiu minha buzina de trens tons da brandani




o sábado é de
plástico-bolha
promessa de felicidade
luzes desmaiadas numa
festa da memória rito
de geração cheiro de
gasolina lanche 
frio numa loja de
conveniência,
vale-disco da hi-fi
raindrops keep 
falling on my head
e o telefone dela 
num papel amassado 










terça-feira, 11 de abril de 2017


mudei de calçada
esquina é a dobra 
da rua,uma rasura 
traço ao acaso 
asfalto que apressa
os passos de um 
calendário magro 
tropeço, engano
blefe de baralho
fajuto, um cuspe
que volta no rosto
um corpo pendurado

na escadaria 
da 23 de maio

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

mover o rosto
num gesto ausente
apagar as vogais
da fala, ruído irritado
balela, bílis
no álbum de família
a  foto arrancada
o  zero à esquerda